Adolphine Schramm
Uma Mulher Alemã em Maruim
Por Prof. Dr. Jorge Carvalho do Nascimento
Um depoimento de Joel Aguiar, memorialista da vida
maruinense, é bastante esclarecedor acerca da importância que teve a família
alemã Schramm, na Província de Sergipe, durante o século XIX: “Os Schramm
exerceram na cidade de Maruim benéfica influência e a opulência do seu viver,
como também a generosidade dos seus gestos ainda hoje são conhecidos. O cônsul
Otto Schramm foi, para Maruim, um símbolo de rara cultura e um edificante
exemplo de que o trabalho tudo vence.
Velhos de hoje, que moços frequentaram o solar dos Schramm,
narraram-me o fausto que ali resplandecia nas largas e claras salas muradas de
espelhos e adornadas a rigor; no salão-refeitório, em cuja imensa, pesada e
custosa mesa de jacarandá, com pitorescos entalhes, lampejavam os mais finos
cristais, tinia um serviço extravagante de prata reluzente, branqueava uma
enorme toalha de linho holandês e aromatizavam o ambiente todos os frutos da
Europa e todas as especiarias do Oriente. Nas lácteas espáduas e nos
alabastrinos colos das sonhadoras filhas do Reno e do Danúbio, rangiam as sedas
asiáticas e cintilavam as pedrarias italianas. Era o alto burguesismo comercial
de Bremen e de Hamburgo em toda a sua magnificência, neste retalho geográfico
da América Austral”.
A dona da casa, a senhora considerava a sua residência
aconchegante e na correspondência que enviava aos seus familiares na Alemanha a
descrevia em detalhes: duas salas de estar, uma sala de jantar, quarto de
dormir, o quarto de vestir do marido Ernst, o quarto de hóspedes, o quarto da
empregada, um quarto grande com armários e banheira e uma grande despensa.
Todos os quartos davam para um corredor que dividia a casa em duas partes. A
residência era toda cercada por varandas e na parte da frente tinha dois
andares. Nos fundos estavam situados a cozinha e os estábulos e na parte mais
baixa ficava um grande quarto onde dormiam os escravos, a lavanderia, um quarto
de passar a ferro e a despensa para vinho, cerveja e batatas.
A casa era muito bem ventilada. Todo o mobiliário era de
jacarandá maciço com palhinhas finas, enquanto os móveis dos quartos tinham
estilo rococó com pernas recurvas, portères de tule e cortinas. Segundo
Adolphine, existiam na casa 13 tipos diferentes de cadeiras de encosto e de balanço.
Para administrar a residência ela contava com duas empregadas alemãs. Além da
sua casa, a alemã também gostava das noites de lua maruinenses e elogiava o céu
cheio de estrelas, as frutas, os pássaros e as borboletas.
Via ainda os hábitos alimentares como outro ponto alto da
vida em Maruim, destacando a ótima sopa de carne que consumia diariamente, além
da carne cozida com molho picante, as verduras, o maxixe, o chuchu, a abóbora,
a farinha de mandioca, a galinha ao molho pardo, o enrolado de carne, os bolinhos
de carne, a salada de arenque, os bolinhos de peixe, a carne assada com feijão
preto, o inhame, a salada de batata, a carne de carneiro, a carne de porco. O
comércio local pareceu a Adolphine Schramm um espaço adequado para se fazer
boas compras.
Todo esse refinamento, contudo, não fazia a felicidade da
dona da casa, como pode ser compreendido na descrição que faz José Edgard da
Mota Freitas, na introdução do livro Cartas de Maruim, acerca da vida de
Adolphine Schramm em Sergipe: “um pássaro numa gaiola de ouro”. Apesar de toda
a estrutura residencial de que dispunha e da admiração por alguns poucos
elementos naturais e pela culinária, foi muito elevado o grau de estranhamento
de Adolphine em relação ao ambiente dos trópicos. E, várias vezes, expressou
claramente a sua amargura: “a vida aqui está ligada a tantas privações
espirituais e naturais! Com as últimas é possível se acostumar, mas, com as
primeiras, sente-se cada vez mais”.
Para Edgar Freitas, ela “não conseguiu adaptar-se ao rigor
do clima tropical e à estreiteza do meio cultural. Essas dificuldades de
adaptação afetaram-lhe (…) não só o corpo, mas também a alma. (…) As suas
únicas compensações, para suportar as dificuldades do convívio numa terra
distante, cujos costumes eram tão diferentes daqueles da sua terra natal e cujo
clima lhe destruiu a beleza física, eram o amor do marido e a esperança de um
dia retornar à Alemanha”.
Ao se manifestar sobre o seu estranhamento em relação ao
ambiente, Adolphine, através da sua correspondência com seus familiares
alemães, reclamava da natureza dos trópicos, que lhe parecia demasiadamente
feia, em relação ao ambiente natural europeu.
Texto e imagem reproduzidos do site: sosergipe.com.br
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