Foto de Ludwig Oliveira e editada/postada pelo blog,
para ilustrar o presente artigo.
Texto publicado originalmente no site Osmário Santos, em 11/05/2002
Alberto Carvalho
Iniciando com a crítica cinematográfica no ano de 1975,
Alberto Carvalho introduziu na imprensa sergipana um novo conceito em crítica
de arte, passando a apresentar o “mundo do opinador”, isento dos obrigatórios
elogios. Passou a escrever com a verdade, sem visar agradar nem a gregos nem a
troianos e tão pouco baianos. Seu nome sempre foi respeitado no mundo cultural
sergipano. Além de crítico de cinema, sua grande paixão, sempre atuou na
imprensa sergipana no campo da literatura não só na crítica, mas com
publicações. Poeta da vanguarda e sempre atuando na prosa, nunca se descuidou e
sempre esteve dentro do tempo. Recentemente publicou no ensaio sobre o pintor Adauto
Machado e, em conclusão, um trabalho semelhante, sobre a vida e obra do pintor
Florival Santos. Alberto é parte da cultura em nossa terra e tem muita coisa
para contar, no registro da Memória de Sergipe.
Alberto Carvalho nasceu a 3 de novembro de 1932, em
Itabaiana, Sergipe, filho de Ivo Carvalho e Maria Elisa Carvalho. Seu Ivo era
uma pessoa muito calada, enquanto dona Maria Elisa era bem extrovertida e bem
brincalhona. Alberto conta que o seu lado de gozador, é uma boa herança de sua
mãe, afirmando que ela realmente era uma “figura”.
Seus pais pertenciam a uma classe média não alta, mas que dava
para sobreviver. No início, foi alfaiate, depois passou a exercer a função de
funcionário público municipal, levando uma vida controlada. “Meu pai transmitiu
a lição, que a gente não deve ir mais além do que o chinelo cabe”.
Curso primário — Na sua cidade natal, com a professora
Laurinda Leite, aprendeu as primeiras lições, no Grupo Escolar Guilhermino
Bezerra. Antes de chegar aos bancos escolares, já gostava de ler, passando a
gostar mais ainda, depois que conheceu o professor José Fortunato Pinto. “Ele fundou
um colégio que era vizinho à minha casa, Gostava muito de literatura, escrevia
e eu era amigo do filho. Estudei no seu colégio e, ele foi um professor que me
marcou muito”.
Naquele tempo, já tinha gosto pela leitura e pelo cinema,
pelo qual sempre fui maluco. Conta que tudo iniciou quando chegou em Itabaiana,
uma família de Propriá que gostava de ler e por isso o então menino Alberto
tratou logo de fazer boas amizades, com bons proveitos. “Foi quando iniciei a
ler os meus primeiros romances”.
Foi baleiro de cinema — Uma infância sacrificada, ajudando
os pais em casa, com o fruto do seu trabalho de vendedor de revistas e jornais
da empresa “A Noite” e de correr fila por fila do cinema de Itabaiana, vendendo
bala, com a cesta cheia, sorriso nos lábios e gritos constantes: Olha o baleiro!
Bem que alguém desconfiava que o gosto do Alberto Carvalho pelo cinema, era de
um outro mundo. Do tempo de baleiro? Também. Conta que o gosto pelo cinema,
veio do seu irmão mais velho, Petrônio, já falecido, que chegou a trabalhar no
cinema como projetista. Tal emprego proporcionou que ele colecionasse o que era
chamado de ponto de fita. Ele cortava um pedaço pequeno do trailer do filme,
sempre a parte mais interessante e de posse do rosto do artista na película,
montava um álbum de fotografia. “Eu tenho em minha casa milhares de fotografias
tiradas do cinema. Também mandava buscar, em Hollywood, fotografias. Naquele
tempo, os estúdios faziam questão de mandar todo o material para divulgação.
Para tanto era só solicitar”.
Gosto pela leitura — Menino precoce, vendendo balas e
assistindo filmes, estava sempre com um livro, para as horas de folga. “Lá em
casa tinha uns livros do velho, que, apesar de não ser formado, tinha uma
biblioteca razoável. Uns, ele me proibia de ler, pois achava que ainda não
tinha idade. Eram os livros de Albino Forjaz de Sampaio: “Palavras Cínicas”,
era o nome de um deles. Depois eu li O Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas
e outros bons livros”.
Fato curioso — Um fato curioso do pai de Alberto Carvalho
conforme Alberto conta, era sua grande paixão pelo livro “Quo Vadis” de Henryk
Sienkiewez. O entusiasmo por Sienkiewez era tanto a ponto de seu pai batizar os
filhos com os nomes de personagens de obras literárias do escritor.
Ginásio em Aracaju — Tendo concluído o curso primário no ano
de 1944, fez exame de admissão a ginásio e fixou residência em Aracaju em 1945.
“O professor José Fortunato, tinha sido transferido para trabalhar no antigo
Instituto Profissionais Coelho e Campos, onde é o Sesi, na rua de Itaporanga.
Como diretor, tinha direito a uma casa. Quando ele veio transferido, falou com
meu pai, que gostaria que eu viesse, por ter sido um aluno razoável e por causa
do filho que também iria fazer exame de admissão. O velho disse que não tinha
condições de pagar e terminei vindo. Passei no exame de admissão, que era um
vestibular, naquela época e tornei-me aluno do Atheneu”.
Voltando à Itabaiana, para passar alguns dias. Alberto
Carvalho pegou tifo, passando 40 dias de cama. Perdeu um mês e meio de aulas.
Enquanto estava na fase de recuperação, seu pai conseguiu uma bolsa de estudos
do Estado.
O problema da moradia foi resolvido pela vinda do irmão mais
velho, Petrônio a Aracaju, já que tendo passado num concurso público, passou a
morar em Aracaju numa pensão. Alberto agradeceu a casa do professor Fortunato e
ficou com o irmão, até sua entrada no Banco do Brasil.
Cursos — Até o ano de 1951 fez os cursos secundário e
colegial, no Colégio Estadual de Sergipe (Atheneu) até 1951. Curso de Técnico
em Contabilidade na Escola Técnica de Comércio de Sergipe, concluindo também em
1951. Depois prosseguiu os estudos, fazendo o curso superior na Faculdade de
Direito de Sergipe, colando grau em bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais em
1956.
O Atheneu influenciou bastante na sua formação cultural,
pelo bom nível dos professores de época. “Tinha um professor, que muita gente
criticava por ser meio descuidado, mas ele me ensinou o gosto pela literatura
filosófica. Chamava-se Virgínio Santana e eu gostava de conversar muito com ele
depois das aulas. Charutinho tranquilo, ele era uma figura e na aula conseguia
transmitir de uma maneira extraordinária, tudo que ele sabia.
O CDF do Atheneu — No Atheneu, não chegou a participar de
política estudantil. Não havendo programação extra classe, e vivia envolvido
com os livros, pois estudava ao mesmo tempo, em dois colégios. Chegava no fim
do ano e não sabia quantas provas fazia. “Naquele tempo tinha a prova oral e a
escrita. No Atheneu eram umas 10 matérias e na Escola Técnica umas nove. Some
aí no fim do ano, escrita e oral. Eu era um verdadeiro CDF com todas as honras
e com todas as botas que eu usava, pois me mandavam, sapatos de Itabaiana
forrados com pneus de automóvel, pneu mesmo. E com essas botas dava boas
passadas”.
Sem tempo para o lazer — De tanto estudar na juventude,
pouco tempo para tomar uma cervejinha, que chegava bem miúda, pois ninguém do
time, que Alberto conseguia reunir em torno de uma mesa de bar, era empregado.
“Eu, Gilvan Cleber, Airton Araújo, uma turma, que conseguia com sacrifício,
arranjar uns trocadinhos para a ‘loura’”.
Revela que não pretendia ser advogado. Pelo fato que em
Aracaju, naquele tempo só tinha as faculdades de: Direito, Ciências Econômicas
e Química. Não tendo condições de sair de Aracaju, para estudar em Salvador,
resolveu fazer vestibular para Direito.
No meio do caminho, “não tinha uma pedra”, mas sua cabeça
encontrou uma pedra e por pouco não desistiu. Chegou ao fim, recebeu o diploma,
guardou o anel e nunca exerceu a profissão. “Era comissionado no Banco do
Brasil e não dava condições de advogar. Seu canudo só veio servir, tempos
depois, quando passou a ser professor titular de “História Economia Geral e do
Brasil”, da Universidade Federal de Sergipe, desde a sua fundação. “Sem o
título superior, não entraria na universidade”.
Recordações do Banco — Boas recordações do Banco do Brasil,
muito trabalho, uma existência de 30 anos. “O Banco do Brasil era um emprego
onde não tinha dono. Tinha o procurador, que era o gerente de fato e uma outra
galeria de gerentes. Foi uma carreira, onde não tinha o problema de
puxa-saquismo. Fui comissionado, porque sabia fazer o serviço e saí de lá me
dando bem com todo mundo. Não tenho nada a dizer do banco”.
Quando Alberto Carvalho entrou no Banco do Brasil, através
de concurso, o banco, funcionava onde é hoje o Edifício Oviêdo Teixeira. Em
frente ainda existia a ponte do Lima, onde os navios ficavam atracados. “Quando
um colega contava uma mentira, a gente levava para a ponte do Lima para ele
terminar lá, sua história”.
Na Faculdade de Direito — Quando penetrou nos corredores da
Faculdade de Direito de Sergipe, não resistiu e entrou no bloco que fazia
política estudantil. Ali foi por problema de amizade. Amigo de Viana de Assis,
Jaime de Araújo Andrade, José Rosa, Tertuliano Azevedo, pessoal todo do meu
tempo, eles ganharam a eleição, e me colocaram como diretor do jornalzinho
“Academus”, órgão do Centro Acadêmico “Sílvio Romeno”, nos anos de 1955 e
1956”.
Jornalismo — Foi num jornal de esporte que circulava em
Aracaju, que fez sua estreia no jornalismo sergipano. Não escrevia estava ou
não na banheira na hora do gol. Seu trabalho jornalístico todo ele era voltado
ao cinema. “Todo o jornal era de esporte, menos a minha parte”.
“Suas publicações nos jornais de Aracaju, na área cultural,
representam um marco no jornalismo sergipano. Foi crítico cinematográfico na
Gazeta Socialista, escreveu coluna literária contando com a colaboração de
Bonifácio Fontes, na Gazeta de Sergipe no período de 1959 a 1960 e de 60 a 61
sem a participação de Bonifácio.
Atuou no Sergipe Jornal, de 1964 a 1965 e no Diário de
Aracaju, no ano de 1966. Colaborou com seus artigos em outros órgãos da
imprensa sergipana, principalmente revistas. Colaborou por muito tempo no
JORNAL DA CIDADE.
Cinema Nacional — De cinema nacional, só fala bem da obra de
Nelson Pereira dos Santos, o único cineasta nacional que lhe entusiasmou.
Em termos de experiências de participar de uma produção
cinematográfica, chegou a participar de um filme sergipano. “Inclusive, esta fita
está com Luiz Antônio Barreto. Eu fiz o roteiro, Lineu filmou, tendo como
atores: Orlando Vieira e Chico Varela”.
Literatura — Na Literatura uma outra história “Não me
considero um crítico verdadeiramente dito, e sim um leitor interessado, faço
questão de dizer que sempre fui um leitor atento”.
Do cinema em sua vida: “Sou apenas um divulgador, pois fazer
crítica aqui em Sergipe, é difícil. O pessoal daqui só gosta de elogios e
quando você diz uma coisa, os conceitos de literatura provinciana ou estadual,
acredito, não resistem a uma crítica séria. Os escritores obedecem aos limites
do IBGE. Tobias Barreto, Sílvio Romero, João Ribeiro, Manoel Bomfim e muitos
outros, seriam autores sergipanos apenas por terem nascido aqui ou deveriam ser
incorporados a vida literária dos outros estados em que viveram e escreveram
seus livros? São brasileiros, sim, mas o atraso no acompanhamento do que só faz
“lá fora” é bem outra conversa.
Autor vivo — Alberto considera-se um “autor” vivo, não
porque seja sagaz e, sim pela pequena atuação que tem.
Certa feita, quando foi dar um depoimento sobre sua presença
na literatura sergipana, apresentou a fábula do galo Chantecler. “Não acredito
que o sol nasce por detrás da Barra dos Coqueiros porque eu existo. Falo dos
que conheço, da minha vivência como miúdo escriba radicado em Aracaju”.
Xingamento — Conta que ao chegar em Aracaju, ficou
horrorizado ao ler os jornais. “A crítica local era de xingamentos: não faziam
análise das s obras e sim ou autores. Lembro de uma dessas polêmicas em que
certo autor era chamado de “neto de uma horizontal...” Traduzindo para a geração
de hoje, mulher que trabalha na “cama, prostituta, para maior clareza”.
Para Alberto Carvalho, “o academismo “Borocochô” ainda
prejudica a nossa modesta escrita”. Não resiste e fala da pompa de certos
escritores que fazem questão de registrar nos seus livros que da Academia de
Letras, uma entidade que segundo ele, só funciona na eleição e na posse do
“imortal” ou quando ele sobe para um outro mundo. “Pode? Alguns dos seus
literatos nunca lançaram qualquer obra (no sentido mais literal do termo);
outro publicaram livrecos de justificativa, a posteriori da eleição e outros
nem isso”. “São personalidades, figura representativas da nossa melhor sociedade.
“Meus sais”, como se diz na imprensa marrom local”.
Visão Crítica — Na sua visão crítica, prossegue, “dando suas
pinceladas no movimento cultural, envolvendo os imortais com os meios de
comunicação”. A coisa anda safara, diria um acadêmico. E não por falta de meios
de comunicação. “Temos várias emissoras de TV, várias emissoras de FM e AM,
vários jornais, cujo número aumenta nas épocas eleitorais, quando aparecem mais
picaretas. Vejam, ouçam, leiam. Claro que existem as de praxe e honrosas
exceções. Seria apenas risível se não fosse triste tal quadro”. “Isso me lembra
um observador estrangeiro chegou a Bahia numa sexta-feira (dia consagrado a um
santo) e, observando grande número de pessoas vestidas de branco concluiu que
estava na cidade mais bem servida no campo da saúde, em todo o mundo”.
Deixando a cidade de Salvador de lado, Alberto Carvalho
gosta mesmo de falar é de Aracaju. Revê-la que também é um leitor dos nossos
jornais, embora considere entupido de muitas crônicas sociais. “Dar a impressão
que a nossa cidade tem uma sociedade brilhante, atuante, bonita, rica, embora,
de quando em vez, comentários apontam que tem gente postergando o companheiro
(a) unido, no altar sob a leitura da famosa epístola de São Paulo”.
Da literatura de hoje — “A literatura que se faz hoje em
Sergipe não está pior em termos de qualidade, mas eu estou achando que a vida
literária está superando a literatura, pois se faz muito mais badalação, e essa
troca de figurinha, todo mundo é formidável, onde não há análise de nada. Agora
existem valores. Antigamente era o contrário. Tinha muita gente se fazendo de
valor, sem ter.
Texto reproduzido do site: usuarioweb.infonet.com.br/~osmario
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