Foto reproduzida do site: g1.globo.com/se e postada pelo
blog.
Texto publicado originalmente no Facebook/Luciano Correia, em 29 de maio de 2018
O estadista que o povo perdeu
Por Luciano Correia
Em 1985 eu fui indicado para exercer o cargo de secretário
de Comunicação da Prefeitura de Aracaju na gestão de José Carlos Teixeira,
indicado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), o “Partidão”. Fiquei
intrigado como um dos políticos mais importantes do estado, deputado federal de
cinco mandatos, apostava sua política de comunicação a um moleque de 24 anos,
recém formado na Bahia e ainda começando no jornalismo, só porque um partido
aliado resolvera me indicar. Tomei posse, trabalhei muito, tanto quanto sua
operosa e curta gestão de sete meses, que fez um trabalho marcante em nossa
capital.
Ao final, Zé Carlos saiu candidato a governador pelo seu
PMDB (nunca saiu dele!), contra o candidato da chamada Aliança Democrática,
Antônio Carlos Valadares, do PFL. Fui contra meu então partido e, numa espécie
de “traição”, eu e os também militantes Antônio Samarone e Jorge Carvalho
votamos em Zé Carlos, mesmo tendo se aliado, como diziam os defensores da tal
Aliança, às grandes oligarquias sergipanas. Isso é discurso e narrativa,
evidentemente, para justificar as opções da esquerda a um projeto liberal
encabeçado pelo PFL, dissidência da velha e igualmente oligárquica Arena. Nunca
me arrependi de minha posição e, mais que isso, o voto no candidato do PFL
resultou depois num governo medíocre, autoritário e truculento.
Vivi só o começo da campanha, na verdade um ensaio de
campanha, pois foi enquanto ele ainda era prefeito de Aracaju. Nada se compara
com o volume da política atual e a complexidade incorporada às campanhas
eleitorais, mas fiquei impactado com a quantidade de realizações em tão pouco
tempo e a fantástica acolhida pela população da periferia. Como jornalista,
tive o lampejo de querer contar aquela experiência, que começava com a gestão profícua
de sete meses e terminava pela campanha desafiadora, onde o melhor dos
candidatos, disparadamente, em todos os aspectos, fora demonizado pela máquina
de propaganda que se incorporara ao projeto conservador da Aliança Democrática.
José Carlos Teixeira era infinitamente melhor do que seu concorrente, em todos
os quesitos, até mesmo se apelássemos para as os velhos maniqueísmos entre o
bem e o mal. Até por esse prisma, Teixeira era o lado do bem.
Meu insight consistia em escrever um livro contando isso,
indo contra a corrente dos que até hoje insistem em justificar sua adesão a um
bloco ainda mais conservador. Cheguei até em pensar num título: “José Carlos
Teixeira, o estadista que o povo perdeu”. Mas minha preguiça jamais o permitiu.
Carreguei comigo essa conta mal resolvida, uma grande reportagem que jogaria
mais luzes no debate e uma iniciativa que repararia, pelo menos no papel, uma
tremenda injustiça. Contei isso a JCT uma vez, mas ele, na sua grandiosidade,
acolheu como um gesto de simpatia, sem maiores comentários. A mesma simpatia
com que me brindava absolutamente todas as vezes em que nos encontrávamos: “Meu
secretááárioooo”, trovejava ele, naquele seu jeito de político tradicional, mas
de espírito inquieto, moderno, um admirador da revolução francesa, apaixonado
por música clássica, pai amoroso de cinco filhas e marido companheiro de sua
amada Eugênia.
O trovão de sua voz, entretanto, nunca foi só um impulso
vocal de seu estilo, mas a expressão de um homem valente, combativo e,
sobretudo, de extraordinária coragem. Zé Carlos saiu do berço de uma das
famílias mais tradicionais de Sergipe, uma das mais ricas do estado durante
anos, que, não obstante o conforto de uma carreira parlamentar com seus pares
em Brasília, optou pela então arriscada empreitada de fundar a oposição em
Sergipe a partir do golpe de 64. Foi ele o fundador, como dizia Benedito
Figueiredo, do querido e sofrido MDB, legenda que cumpriu missões extremamente
desafiadoras e, mais ainda, abrigou dezenas de comunistas e gente da esquerda
que não tinha espaços institucionais de militância. Como também foi um abrigo
humanitário de presos políticos e perseguidos pela ditadura. Conhecendo, como
conhecemos, o perfil conservador e arrogante das elites locais, é difícil supor
a existência de um político bem nascido cumprindo a saga progressista e
desafiadora de Teixeira.
A despedida de José Carlos Teixeira nessa terça, 29 de maio,
num momento tão difícil da esfera pública nacional, só aumenta seu valor e
importância na galeria dos grandes brasileiros. Aos familiares, amigos e aos
que, como eu, tiveram o privilégio de trabalhar e conviver com esse gigante
moral, cabe-nos registrar a maravilha de sua missão em vida, na certeza de que
trajetórias como a sua valem para sempre como referência do bom combate.
Texto reproduzido do Facebook/Luciano Correia.
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