Publicado originalmente no Portal Infonet, em 04/11/2009.
“Tudo começou pelo coração.”
Agora, o feito notável e destacado é o do médico
cardiologista José Augusto Barreto, uma das maiores expressões da medicina
sergipana, seguindo os passos de gigantes como Augusto Leite e tantos outros
cuja memória permanece inerente à vida da cidade.
Com o título “Tudo começou pelo coração”, o Hospital São
Lucas fez publicar um livro memorial dos seus quarenta anos de existência.
O livro, com pesquisa e texto do intelectual Luiz Antonio
Barreto, por sua feitura, concepção, gravura e documentação é mais uma
contribuição à historiografia sergipana. Mais uma vez Luiz Antonio, além de
divulgar e pesquisar as coisas e os homens de Sergipe, procura semear nas
nossas terras áridas o sentimento de sergipanidade que permeia, embora
despercebido e esquecido, no nosso viver.
Agora, o feito notável e destacado é o do médico
cardiologista José Augusto Barreto, uma das maiores expressões da medicina
sergipana, seguindo os passos de gigantes como Augusto Leite e tantos outros
cuja memória permanece inerente à vida de nossa cidade.
E tudo realmente começou com o coração. Fora uma clinica por início; “Clínica São Lucas”, em
homenagem ao Lucas apóstolo, que era médico e que se destacaria, sobretudo por
curar almas; os doentes do espírito.
Lucas é o evangelista de texto delicado e amoroso, sobretudo
com Maria. É ele que, em palavras terminais do crucificado, fala em perdão,
porque nunca sabemos o que fazemos nas nossas imperfeições tão gritantes.
É Lucas, o médico que ouve e proclama uma fraternidade só
possível por expressão livre de vontade. É por Lucas que somos irmãos do Cristo
por filhos de Maria.
Não estaria aí inserida a ternura do médico ciente de que
possuímos, sem exceção, as mesmas carências diante da dor e do sofrimento, e
estamos a necessitar a cura tanto dos males imateriais como dos corpóreos, em
excedente carência espiritual que física?
Assim, tudo começou com o coração. O médico, Dr. José
Augusto Barreto se especializara no estudo desta bomba compassiva e compassada,
que não pensa, mas que sem pensar, pensa tudo. Porque o coração sem razão ou
com ela, possui razão que a própria razão desconhece.
Pelo menos fora assim que pensara Blaise Pascal (Le coeur a
ses raisons que la raison ne connaît point.), para explicar a empatia e os
gostos dos homens.
Um brocardo desgastado, que perdeu o seu vigor e grandeza,
porque a modernidade revelara que o coração era apenas um músculo; um conjunto
de fibras e ligamentos, músculo bomba acionado por impulsos elétricos, ditados
pelo cérebro, este o grande pensador cartesiano, o detentor da razão, da falta
de razão e da irracionalidade, superioridade do homem frente a besta.
E os gostos e desgostos dos homens passaram a ser explicados
por tudo, e até por reação de epiderme, ensejando pruridos e desconfortos ou
atrativos de sedução. Algo tão inerente aos gostos e gozos do ser, que vale até
na música e no verso, um corintiano perder por reverso um coração sofrido,
recebendo, por implante ou desplante, um novo coração corintiano.
Ora, se a compaixão não provém mais do coração, o que dizer
da manifestada emoção que o acelera ou retarda, num ritmo sem razão ou em
desrazão?
Porque a razão é uma expressão matemática, um quociente
entre números inteiros, uma relação causa efeito de simplicidade inserida nos
assim chamados números racionais e estendida ao pensamento.
Ela a razão, tão previsível e sem surpresas pressuporia
oscilações ou arritmias nas batidas do coração?
E assim em resistência, os homens justificam seus atos,
desejos e vontades em função do bom ou mau coração, quando aí não se está
falando de cardiopatias, arritmias ou mau funcionamento de válvulas e artérias.
Mas, independente do homem de bom ou mau viver, a missão da
Clínica São Lucas imaginada por Dr. José Augusto era prevenir obstruções
arteriais, pacificar o descompasso cardíaco, prevenir a dor letal, do bom e do
mau coração.
Porque esta é uma tarefa sacerdócio do médico. Porque a dor
e o sofrimento constituem característica do viver. E é tarefa do médico lutar
contra a agonia e a aflição. Afinal tudo começa com o coração, como fonte de
compaixão e solidariedade. Uma tarefa sacerdócio, exclusiva dos discípulos de
Hipócrates, por escolha e desejo.
E assim eis a clínica construída, com Lucas tomado como
patrono e Hipócrates como lema e rumo.
Se Hipócrates representa a assepsia médica, a proficiência,
a necessária isenção para poder adentrar nas angústias e fraquezas do ser
adoecido e vulnerável, eximindo-se de louros e vantagens, Lucas insere doçura e
carinho no tratamento médico.
Assim, sem se desviar do norte hipocrático nem se arrefecer
na compaixão lucana, eis Dr. José Augusto Barreto merecedor de todos os elogios
como notável médico sergipano. Um médico que ousou sonhar e tornar realidade um
hospital moderno em terras tão inóspitas dos apecuns e alagados de Aracaju,
justamente nos idos sombrios de 1969.
Um tempo em que a cidade praticamente acabava no fundo da
Igreja São José e crescer significava conquistar terras insalubres e lodosas.
Se os historiadores só vêem trevas nos idos de 1969,
vivia-se então uma época de grandes mudanças.
Vigia um grande surto de desenvolvimento. A criação da
Universidade Federal de Sergipe, a descoberta e prospecção do petróleo, a
industrialização dos sais evaporitos, a construção do porto, a edificação do
complexo amônia-uréia constituíam uma série de investimentos públicos e
privados no assim chamado milagre brasileiro, em sua vertente sergipana.
Nunca se vira tanto de investimentos em terra Serigy, nem
mais se veria por aqui.
Mas, a despeito de tantos investimentos realizados, havia
uma carência significativa de leitos hospitalares, mesmo porque os Hospitais
Santa Isabel, Augusto Leite e São José não conseguiam suprir toda a necessidade
de um atendimento moderno, sempre carentes de verbas e subvenções públicas.
Havia a necessidade de um hospital particular, um nosocômio
que conjugasse a eficiência empresarial com a prestação de serviço eficaz. A
necessidade justificava o investimento.
Tentara-se um condomínio, uma associação de médicos. A
tentativa não foi adiante, restou a mera compra de um terreno; um chão a
necessitar de terraplenagem e aterros.
Por outro lado, por desterro e mor sofrimento, naquele tempo
não existiam os atuais planos de saúde, democratizando e viabilizando o
atendimento médico. O doente quando não era segurado dos diversos institutos,
era indigente, carente de tudo, ou tinha que bancar por um serviço melhor
qualificado em outras plagas.
Hoje tudo ali mudou; não há alagados, nem miasmas, nem
terras insalubres.
Também não há mais a clínica da Rua Stanley Silveira de
aparência tranqüila e tosca, o germe cristalino inicial.
O Hospital São Lucas substituiu o consultório inicial com
ampliação física e acréscimo de serviços. Ocupou todo o trecho fronteando a
lateral da igreja São José que do outro lado continuou quase igual.
Se a igreja pouco mudou, ela passou a viver uma espécie de
continuidade do hospital, recebendo as preces dos doentes e de seus familiares.
E o complexo hospitalar não para; assumiu outras áreas,
ocupando outro trecho. Virá logo uma passarela para bem melhor servir o usuário
da medicina, unido o que não devia estar separado.
Da clínica e do consultório surgiu o hospital. Agora há a
Fundação São Lucas, o Centro de Hemodiálise, o Centro de Estudos Técnicos e
Profissionalizantes, a Creche Dom Luís Mousinho.
São cerca de 1180 servidores e colaboradores! Fala a
realidade atual, evidenciando que um maior número ali atuou nos seus quarenta
anos de portas sempre abertas.
Quantos médicos, enfermeiros, funcionários, humildes ou
qualificados fizeram vibrar aquelas paredes silenciosas e convidativas para o
repouso e a cura!?
Quantos doentes freqüentaram seus tálamos resgatando forças
e sanidade!?
Quantos conseguiram ter minoradas suas dores e sofrimentos!?
Quantos ali morreram nos seus leitos confortados, porque por
suprema missão médica, cabe-lhe também dar o último alívio contemplando a
inexorabilidade da parca no encontro jamais ausente!?
Quem não tem algo a lembrar de passagem e permanência sobre
os cuidados de Dr. José Augusto e seus liderados neste Hospital que tem sido
uma casa de carinhos!?
Realmente, tudo começara pelo coração, um estetoscópio, um
tensiômetro, um instrumental tosco, uma idéia, uma vontade, uma luta
persistente e continuada, um passo numa longa caminhada.
Mas, se o Hospital São Lucas representa vida em nossa terra,
dê-se ao seu fundador o maior mérito. É ele que em passeio diário por seus
corredores dá uma aura de correção, limpeza e eficiência, mostrando na alvura
da veste a irrepreensibilidade dos que passam pela vida servindo à sua
vizinhança, dando-lhe dignidade e esperança.
Por isso vale a comemoração e a alegria.
Que sejam homenageados e louvados os seus fundadores Dr.
José Augusto Barreto e Dr. Dietich Todt, seu auxiliar e co-fundador.
Sejam louvadas também as duas irmãs amigas, Dona Conceição e
Dona Nicinha cujas vidas de tão inseridas na missão de cura dos esposos, estão
presentes em cada local do hospital como se fora o próprio lar, a sua seara por
missão.
Aos filhos que continuam o trabalho de criação nestes
quarenta anos passados. Enfim, vida que se prolonga além da vida em lembranças
e saudades a merecer nosso carinho e aplauso.
Se tudo nasceu com o coração, e de Pascal se atribui ter o
coração razão que a própria razão desconhece, usemos também de Pascal um
aforismo por final:
"O prazer dos grandes homens consiste em tornar os
outros mais felizes."
O médico José Augusto Barreto e o Hospital São Lucas
contribuem com a felicidade sergipana.
Que Deus os abençoe e conserve!
Texto reproduzido do site: infonet.com.br
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