sábado, 26 de agosto de 2017

Os sinos dobram por José Augusto Barreto

Dr. José Augusto Barreto  
Foto: Antonio Samarone, reproduzida do Facebook/Antonio Samarone.
Postada pelo blog SERGIPE..., para ilustrar o presente artigo.

Publicado originalmente no Portal Infonet, em 24/08/2017.

Os sinos dobram por José Augusto Barreto

Grande orgulho, perguntei-lhe. Respondeu-me: ter sido professor!

Por Lúcio Antônio Prado Dias.

Estávamos em 2009 e o Hospital São Lucas, fundado por ele, comemorava seu 40º aniversário de fundação. Fui encontrá-lo em sua modesta sala na Fundação, num dos andares do complexo que ocupa o quarteirão inteiro no Bairro São José e que cresceu puxando ao seu entorno clínicas e mais clínicas, transformando a região num próspero setor de saúde de Aracaju.

  Queria conversar, contar histórias, a trajetória de um homem de origem modesta, vindo do interior, filho de um agricultor simples de Carira, que arrendou terras em Boquim e depois em Socorro para cultivar cereais e tirar leite de vaca pra vender em Aracaju. Foi em Nossa Senhora do Socorro, em 1928, que nasceu o menino José Augusto. Ainda pequeno, em Salgado, fez o primário, mas logo depois, em Aracaju, ficou interno no Salesiano, até terminar o ginásio. Com quinze anos, transferiu-se para Salvador para cursar o antigo científico no Colégio Maristas, interno no primeiro ano e nos outros dois residindo numa “república”, como era chamada a pensão que abrigava estudantes de várias partes do país.

  Apesar de não ter nenhum na família, o sonho de ser médico veio de menino pequeno. Ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, primaz do Brasil, em 1947, formando-se em 1952. Na época, com raras exceções, sergipano que queria ser médico ia pra Bahia. Como dizia Garcia Moreno, o nosso estado era uma extensão cultural da Bahia. Ele próprio, natural de Laranjeiras, formou-se na Faculdade de Medica do Terreiro de Jesus em 1933, como tantos outros. Mas, antes de partir para o vestibular em Salvador, José Augusto já havia deixado uma paixão secreta que conhecera na cidade de Salgado.

   Cidade onde ocorriam muitos romances porque muitas famílias veraneavam por lá, uma cidade balneária, Salgado era famosa pela sua água e muita gente oriunda de Salvador, Itabuna, Ilhéus e cidades de Sergipe confiavam nas suas qualidades terapêuticas, muito indicada nas “doenças da vesícula”. Foi lá que José Augusto Barreto conheceu Ceça (Maria da Conceição), uma pernambucana cujo pai, fiscal do Banco do Brasil, viera residir em Aracaju com a família e que usava com regularidade as águas terapêuticas de Salgado.

    A decisão pela cardiologia foi tomada por influência direta do médico baiano Adriano Pondé, um dos maiores nomes da cardiologia brasileira na década de 40 e do qual se tornou monitor nos tempos da faculdade. Corria o ano de 1953. Com o anel de doutor no dedo e o diploma na mão, atende convite do Dr. Augusto Leite para substituir o Dr. Gérson Pinto e se instala no Hospital de Cirurgia como interno, morando num pequeno quarto, fazendo o pré e pós-operatório das cirurgias do Dr. Augusto e do Dr. Fernando Sampaio. Passa a ajudar também o colega Júlio Flávio Prado no serviço de eletrocardiografia. São poucos os cardiologistas, além deles existiam ainda os doutores Heráclito Diniz, Geraldo Magela e Marcos Melo...

  No Hospital de Cirurgia, nas décadas de 50 e 60, experimentou uma ascensão meteórica na clínica médica e na cardiologia, com olhos de águia e perspicácia clínica, senhor dos diagnósticos, destacando-se notadamente nos trabalhos do Centro de Estudos até se deslocar para os Estados Unidos da América, inicialmente em 1958, para o Hospital Universitário de Michigan. Nessas idas e vindas, conseguiu o fellowship em cardiologia pela American Heart Association.

    De volta a Aracaju participou de dois momentos marcantes da Medicina sergipana. A fundação da Faculdade de Medicina em 1961, da qual foi professor pioneiro e a luta por um hospital universitário, que o levou às ruas com piquete nas mãos, ao lado de outros colegas, todos de jalecos brancos, para sensibilizar as autoridades sobre a necessidade de uma solução para o ensino médico após o equivocado desligamento da faculdade pelo Hospital de Cirurgia.

  Em 1969, José Augusto Barreto inaugura a Clínica São Lucas, contando com a participação de Dietrich Todt, Fernandes Macedo, Henrique Batista, Gilton Rezende, Geraldo Melo, Raimundo Almeida, Evandro Sena e Silva, Wellington Ribeiro, entre outros. Foram montados os serviços de Raios-X por Aírton Teles, Edson Freire e José Conrado, o laboratório com Raimundo Araújo. Em setembro de 1978, surgiu o Hospital, um sonho distante que se tornou realidade por uma oportunidade de momento, dessas que surgem quando as coisas têm de acontecer.

  “Uma obra edificada pelo sopro da graça de Deus e pelo calor do coração dos amigos que, juntos, atiçaram a chama que acendeu as suas paredes e arquitetou os espaços de fé que cura todas as dores”, nas palavras da poetisa Carmelita Fontes, proclamadas na inauguração do hospital.

   Aracaju hoje é uma cidade grande, cujo rumor sufocou o planger dos sinos. Na pequena Itaporanga dos anos 50, onde morei durante a minha infância, quando os sinos da Igreja de Nossa Senhora d’Ajuda badalavam em triste cadência, geralmente no final da tarde, era o anúncio de que alguém morrera. O badalar dos sinos era o arauto solene da poesia dolorida da morte, como tão bem evocou o escritor Luiz Eduardo Costa, na morte de Garcia e que eu, para encerrar, traduzo para o atual momento.

  José Augusto Soares Barreto, morto nesta semana, não teve mais a sua passagem anunciada e chorada pelos sinos, mas ele, médico, professor, realizador, marido amoroso, pai extremoso, humanista sobretudo, fez em vida muito para merecer que os sinos dobrem pela sua morte. Ele se foi, mas o seu legado permanece triunfante, na glória e na memória de seus descendentes e da sociedade sergipana que o abraçou e que hoje chora, consternada, a sua partida!

Texto reproduzidos do site: infonet.com.br/blogs/lucioapradodias

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