Dr. José Augusto Barreto
Foto: Antonio Samarone, reproduzida do Facebook/Antonio Samarone.
Postada pelo blog SERGIPE..., para ilustrar o presente artigo.
Publicado originalmente no Portal Infonet, em 24/08/2017.
Os sinos dobram por José Augusto Barreto
Grande orgulho, perguntei-lhe. Respondeu-me: ter sido
professor!
Por Lúcio Antônio Prado Dias.
Estávamos em 2009 e o Hospital São Lucas, fundado por ele,
comemorava seu 40º aniversário de fundação. Fui encontrá-lo em sua modesta sala
na Fundação, num dos andares do complexo que ocupa o quarteirão inteiro no
Bairro São José e que cresceu puxando ao seu entorno clínicas e mais clínicas,
transformando a região num próspero setor de saúde de Aracaju.
Queria conversar,
contar histórias, a trajetória de um homem de origem modesta, vindo do
interior, filho de um agricultor simples de Carira, que arrendou terras em
Boquim e depois em Socorro para cultivar cereais e tirar leite de vaca pra
vender em Aracaju. Foi em Nossa Senhora do Socorro, em 1928, que nasceu o
menino José Augusto. Ainda pequeno, em Salgado, fez o primário, mas logo
depois, em Aracaju, ficou interno no Salesiano, até terminar o ginásio. Com
quinze anos, transferiu-se para Salvador para cursar o antigo científico no
Colégio Maristas, interno no primeiro ano e nos outros dois residindo numa “república”,
como era chamada a pensão que abrigava estudantes de várias partes do país.
Apesar de não ter
nenhum na família, o sonho de ser médico veio de menino pequeno. Ingressou na
Faculdade de Medicina da Bahia, primaz do Brasil, em 1947, formando-se em 1952.
Na época, com raras exceções, sergipano que queria ser médico ia pra Bahia. Como
dizia Garcia Moreno, o nosso estado era uma extensão cultural da Bahia. Ele
próprio, natural de Laranjeiras, formou-se na Faculdade de Medica do Terreiro
de Jesus em 1933, como tantos outros. Mas, antes de partir para o vestibular em
Salvador, José Augusto já havia deixado uma paixão secreta que conhecera na
cidade de Salgado.
Cidade onde
ocorriam muitos romances porque muitas famílias veraneavam por lá, uma cidade
balneária, Salgado era famosa pela sua água e muita gente oriunda de Salvador,
Itabuna, Ilhéus e cidades de Sergipe confiavam nas suas qualidades
terapêuticas, muito indicada nas “doenças da vesícula”. Foi lá que José Augusto
Barreto conheceu Ceça (Maria da Conceição), uma pernambucana cujo pai, fiscal
do Banco do Brasil, viera residir em Aracaju com a família e que usava com
regularidade as águas terapêuticas de Salgado.
A decisão pela
cardiologia foi tomada por influência direta do médico baiano Adriano Pondé, um
dos maiores nomes da cardiologia brasileira na década de 40 e do qual se tornou
monitor nos tempos da faculdade. Corria o ano de 1953. Com o anel de doutor no
dedo e o diploma na mão, atende convite do Dr. Augusto Leite para substituir o
Dr. Gérson Pinto e se instala no Hospital de Cirurgia como interno, morando num
pequeno quarto, fazendo o pré e pós-operatório das cirurgias do Dr. Augusto e
do Dr. Fernando Sampaio. Passa a ajudar também o colega Júlio Flávio Prado no
serviço de eletrocardiografia. São poucos os cardiologistas, além deles
existiam ainda os doutores Heráclito Diniz, Geraldo Magela e Marcos Melo...
No Hospital de
Cirurgia, nas décadas de 50 e 60, experimentou uma ascensão meteórica na
clínica médica e na cardiologia, com olhos de águia e perspicácia clínica,
senhor dos diagnósticos, destacando-se notadamente nos trabalhos do Centro de
Estudos até se deslocar para os Estados Unidos da América, inicialmente em
1958, para o Hospital Universitário de Michigan. Nessas idas e vindas, conseguiu
o fellowship em cardiologia pela American Heart Association.
De volta a Aracaju
participou de dois momentos marcantes da Medicina sergipana. A fundação da
Faculdade de Medicina em 1961, da qual foi professor pioneiro e a luta por um
hospital universitário, que o levou às ruas com piquete nas mãos, ao lado de
outros colegas, todos de jalecos brancos, para sensibilizar as autoridades
sobre a necessidade de uma solução para o ensino médico após o equivocado
desligamento da faculdade pelo Hospital de Cirurgia.
Em 1969, José
Augusto Barreto inaugura a Clínica São Lucas, contando com a participação de
Dietrich Todt, Fernandes Macedo, Henrique Batista, Gilton Rezende, Geraldo
Melo, Raimundo Almeida, Evandro Sena e Silva, Wellington Ribeiro, entre outros.
Foram montados os serviços de Raios-X por Aírton Teles, Edson Freire e José
Conrado, o laboratório com Raimundo Araújo. Em setembro de 1978, surgiu o
Hospital, um sonho distante que se tornou realidade por uma oportunidade de
momento, dessas que surgem quando as coisas têm de acontecer.
“Uma obra edificada
pelo sopro da graça de Deus e pelo calor do coração dos amigos que, juntos,
atiçaram a chama que acendeu as suas paredes e arquitetou os espaços de fé que
cura todas as dores”, nas palavras da poetisa Carmelita Fontes, proclamadas na
inauguração do hospital.
Aracaju hoje é uma
cidade grande, cujo rumor sufocou o planger dos sinos. Na pequena Itaporanga
dos anos 50, onde morei durante a minha infância, quando os sinos da Igreja de
Nossa Senhora d’Ajuda badalavam em triste cadência, geralmente no final da
tarde, era o anúncio de que alguém morrera. O badalar dos sinos era o arauto
solene da poesia dolorida da morte, como tão bem evocou o escritor Luiz Eduardo
Costa, na morte de Garcia e que eu, para encerrar, traduzo para o atual
momento.
José Augusto Soares
Barreto, morto nesta semana, não teve mais a sua passagem anunciada e chorada
pelos sinos, mas ele, médico, professor, realizador, marido amoroso, pai
extremoso, humanista sobretudo, fez em vida muito para merecer que os sinos
dobrem pela sua morte. Ele se foi, mas o seu legado permanece triunfante, na
glória e na memória de seus descendentes e da sociedade sergipana que o abraçou
e que hoje chora, consternada, a sua partida!
Texto reproduzidos do site: infonet.com.br/blogs/lucioapradodias
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