Fotos reproduzidas do Google e postadas pelo blog
"SERGIPE, sua terra e sua gente", para ilustrar o presente artigo.
Publicado originalmente no Blog do Portal Infonet, em 30/10/2009.
Quatro mulheres destacadas.
Por Odilon Cabral Machado.
O noticiário desta última quinzena de outubro (2009) consternou a
nossa sociedade com o falecimento de quatro grandes mulheres: Lígia Maynard
Garcez (dia 20, aos 88 anos), Estelita Vilasboas (dia 21, aos 94 anos), Yeda
Mesquita Matos Miranda (dia 24, aos 90 anos) e a notável Professora de História
Maria Thetis Nunes (dia 25, aos 86 anos), mais que notável doutora em
humanidades, de imorredoura saudade para uma vasta geração de alunos.
Quatro mulheres, todas longevas, cercadas por seus
familiares, admiradores e amigos, a cidade lamentando a perda acontecida
tornando mais pobre o nosso entorno pessoal e coletivo.
Se a Professora Thetis Nunes e a Sra. Lígia Maynard estão
mais inseridas na História sergipana, uma como pesquisadora e historiógrafa, e
a segunda vivendo muito destes mesmos feitos, sobretudo na primeira metade do
século passado com os movimentos revolucionários tenentistas em terras áridas
sergipanas, Dona Estelita leva consigo farta memória da ação educativa de
gerações de alunos do Colégio Tobias Barreto, enquanto Dona Yeda muito
testificou da vida e do esforço comercial de vasta geração de lojistas da Rua
João Pessoa, o nosso atual calçadão.
Com Lígia Maynard Garcez, extingue-se um testemunho real,
sofrido e vivido, dos feitos vibrantes de uma época em que o idealismo e a
rebeldia da mocidade fizeram ferver o cenário político nacional.
Lígia, desde o nascimento, vivera e sofrera os revezes deste
tempo, já bem longe, distante e criminosamente esquecido, afinal o seu pai,
Augusto Maynard Gomes, um dos grandes revolucionários daquela época, talvez
tenha sido o último herói sergipano, nascido nestas nossas estéreis areias, tão
carentes de homens e de idéias. Mas para que precisarmos de heróis se um
dramaturgo inteligente grasnou decepcionado; “Triste de um povo que precisa de
heróis!”? Será que, até por conseqüência ou corolário, teria Bertolt Brecht
achado a sinfonia “A Heróica” uma composição para surdos, ou uma tolice de
Beethoven?
Mas, se o movimento tenentista já não enseja nem odes, nem
hinos, e é hoje considerado um excedente de intolerância e autoritarismo, pelo
menos tem servido para a pesquisa e a compilação de cientistas historiadores
como Thetis, a professora que agora também nos deixou, legando-nos um exemplo
dignificante em eficiência e honorabilidade, isenção e integridade. Exemplo que
precisa ser lembrado e enaltecido desde a cova ainda aberta, a fim de que não
resulte o esquecimento, que a tudo nivela e degrada.
E esta terraplanagem deletéria se faz maior quando o
historiador, em hemiplegia mental e letal, refaz a história, num relato
arrevessado, por mal intencionado, fazendo o vilão virar mocinho, o mártir
restar cobarde e o herói findar bandido, sem falar de outros que não escrevem,
mas contam boatos tornados fatos, por repetição de crueldade.
Porque uma coisa é fazer história, como Augusto Maynard de
arma na mão e tombando ferido, e a filha Lígia que tudo viu e testemunhou,
sentindo na pele a perseguição na coxia, quando o drama quase virara tragédia.
E bem diferente é narrá-la ou interpretá-la, sobretudo com programas
corretivos, tipo photoshop, que apagam e recompõem o filme, o documento, a foto
e o dado testemunhal.
Venha a prova material em papiro, em cerâmica ou cartolina,
em celulose, mídias magnéticas ou em difração ondulatória, a prova material
sempre se reforça na comprovação testemunhal, um desafio, sobremodo, para a
chamada “objetividade do eunuco”, segundo a qual se exige do historiador o
tratamento do fato com isenção, distância e assepsia, evitando a contaminação
ideológica que todos temos, e é muito bom possuí-la, desde que assumida e
confessada.
E a prova testemunhal, aquela repetida aos curumins, ainda
vale, sobretudo pelo velho grito do pajé; “Meninos, eu vi!” Mesmo porque, já
nos tempos atuais e muito mais no futuro, até uma pesquisa em DNA de uma múmia
poderá truncar e desvirtuar uma dinastia, gerar uma apostasia ou inserir um
adultério por vitupério. Assim, eis mais uma razão para o cientista não
desprezar a oitiva e a análise do relato testemunhal. Este é um ponto inicial e
fundamental para a isenção de facciosismos ideológicos e partidários, evitando
que a ciência, tão pura e desprovida de maldade, seja utilizada em banalização
e fraude.
Felizmente isto não tem acontecido em nossas terras, e neste
particular louve-se o trabalho notável do historiador Ibarê Dantas, uma
referência viva, de integridade científica e alta honorabilidade intelectual,
para fustigar os que gostam de desvirtuar e apagar os feitos e os mal feitos
dos homens.
Mas a vida é assim mesmo, dirão em maioria. Feitos e fatos
sempre serão encobertos pela erosão do tempo, igual à poeira que aridifica com
silício, e a brisa marinha que a tudo oxida e corrói.
Mas não seria isso um desvio humano; o esquecer tudo sem
separar o útil do fútil? E não é melhor assim, dirá expressiva maioria, que o
tempo apague tudo, como missão do homem em superação sucessiva, o passado pelo
presente e o futuro pelo que lhe vem na frente?
Como não professo tal regra indiferente, permitam-me
persistir e ousar pensar diferente. Por isso volto ao mote do artigo que
precisa ser longo: Acho que nesta última quinzena de outubro, com a morte
destas testemunhas, Sergipe ficou menor ainda, sobretudo a nossa história, que
resta mais refém da ignorância e das manipulações perigosas.
Mas se o futuro é progressivo e inexorável, não é assim,
doloridamente sofrido e pranteado, que os homens enxergam mais ao longe, por
apoiados nos gigantes fenecidos? Ou a vida deveria ser uma mera recapitulação
como o queria o frade vilão, imaginado por Umberto Eco, que queimava as obras
consideradas deletérias à sua doutrina, impedindo o livre pensamento sem peias
de prejulgamentos e concepções mesquinhas?
Não! Longe de ser uma mera recapitulação, a vida é,
sobremodo, criação! Daí a tarefa assaz importante da história, recapitulando-a
para vingar novos brotos de árvore frondosa, enraizada ao solo e se estendendo
onidirecionalmente ao infinito.
E porque uma árvore não pode crescer em demanda ao sonho sem
se prender ao solo que a nutre e sustenta, é necessário recapitular um pouco da
vida que passa indiferente à nossa existência. Assim, é necessário dizer um
pouco destas três mulheres, marcando seu exemplo indelével na vida de nosso
estado.
Quando Lígia Maynard nasceu, em Belo Horizonte - MG, em 29
de janeiro de 1921, colho nos textos de Osmário Santos (um jornalista de um
trabalho extraordinário, resgatando biografias com talento, graça e
objetividade, como raros, na imprensa daqui e de fora, sobretudo na paulista,
neste campo tão inapetente quanto anêmica), seus pais Augusto Maynard Gomes e
Maria Anita Vieira ali residiam, onde o pai servia como oficial do exército.
Espírito telúrico e apegado aos laços familiares, o Tenente
Maynard Gomes fez questão de dar a Lígia a naturalidade sergipana. Outros,
talvez em pequenez de sergipanidade preferissem uma naturalidade mineira. Não
foi o caso. Sergipe para ele era tudo ou quase isso.
Por ter um temperamento rebelde e insubmisso, Maynard, desde
jovem, se inserira nos movimentos conspiratórios da caserna, envolvendo-se com
diversos colegas e contemporâneos da escola militar, oficialidade que iria
participar de várias rebeliões armadas.
Em 1904, aos dezenove anos e ainda cadete, participou da
revolta contra a vacina obrigatória, medida considerada autoritária pelos
setores mais esclarecidos da sociedade, que preferiam o livre arbítrio de não
se deixar vacinar. Na verdade, aos olhos desapaixonados do presente, tratava-se
de uma grande idiotia, repelir a verdade científica em meio a uma terrível
epidemia. E assim uma revolução se fez contra o cientificismo lúcido do médico
Osvaldo Cruz, então ministro de Rodrigues Alves.
A repressão fora vigorosa. Sucederam-se o fechamento das
Escolas Militares da Praia Vermelha e do Realengo, a expulsão dos cadetes,
alguns sofrendo reprimendas maiores por corte marcial, tendo Maynard retornado
a Sergipe, expulso da escola militar.
Tempos depois, num novo governo, Afonso Pena reabriu as
escolas militares, reintegrando os alunos, voltando Maynard a academia, saindo
aspirante em 1910 e ingressando em 1919 na Escola de Oficiais do Exército,
agora como 1º Tenente.
É ali na ESAO, que Maynard participa das insatisfações
castrenses, frente à prisão do Marechal Hermes da Fonseca, acontecida em 1922,
por conta do escândalo das cartas ofensivas do candidato eleito Artur
Bernardes.
O episódio das cartas desonrantes ocorrera no ano anterior,
em 1921, em pleno momento político eleitoral. Acusava-se Bernardes de ter
escrito textos ofensivos à dignidade da tropa, chamando o Marechal Hermes da
Fonseca de “sargentão sem compostura” e o exército constituído de “venais”.
Estas cartas, comprovadas depois como falsas, tinham sido
publicadas pelo Jornal do Povo, “barrigada” mal intencionada, só para mostrar
que já em priscas eras a imprensa nunca fora de todo santa.
E assim, o boato das cartas falsas, contaminando sobremodo o
noticiário, revoltou a tropa, desde a insurreição dos dezoito do forte de
Copacabana em 1922, às demais rebeliões acontecidas em 1924, 1926, a formação
coluna Miguel Costa–Prestes, e a própria revolução de 1930, com a conseqüente
derrubada do governo Washington Luís que sucedera Bernardes.
Se em 1922 Maynard estivesse servindo no forte de
Copacabana, por certo seria mais um a fertilizar aquelas areias com o seu
sangue de jovem sergipano e insubmisso, e Lígia não teria conhecido o pai, nem
participado de seus feitos, sobretudo na história de Sergipe.
No entanto, sendo considerado um rebelde perigoso na ESAO,
Maynard é preso e recambiado para a Ilha das Cobras, de onde foge, permanecendo
na capital federal, preso sob palavra, e depois enviado para Aracaju.
É neste momento de prisão de seu pai, no quartel do 28º
Batalhão de Caçadores, então localizado na Praça General Valadão, onde hoje
persistem as ruínas do Hotel Pálace, que Lígia o visita com os irmãos.
No quartel e na insurreição, Maynard adquirira fama de
heroísmo, determinação e bravura, colega e contemporâneo de Juarez Távora,
Eduardo Gomes, Cordeiro de Farias, Agildo Barata, Siqueira Campos, Juracy
Magalhães, Batista Luzardo, Flores da Cunha, João Alberto Lins e Barros, Luis
Carlos Prestes, Filinto Miller e tantos outros que se envolveram nos feitos
conflituosos da República Velha.
Na madrugada do dia 13 de julho de 1924, então residindo em
Aracaju, aqui servindo como tenente no 28º Batalhão dos Caçadores, Maynard,
juntamente com o capitão Eurípedes de Lima, os tenentes João Soarino de Melo e
Manuel Messias de Mendonça sublevam a tropa, prendendo o seu comandante, o
Major Jacinto Dias Ribeiro, e mediante farta fuzilaria, dominam a Policia
Militar, apoderando-se das estações telegráficas e telefônicas da estrada de
ferro, depondo o governador Gracho Cardoso e assumindo o governo do estado.
A sublevação sergipana fora uma resposta àquela acontecida
em São Paulo oito dias antes, comandado pelo General Isidoro Dias Lopes e pelo
Major Miguel Costa.
Assim como em São Paulo, o movimento sergipano foi sufocado
pelo governo central. Tropas vindas da Bahia e Alagoas comandadas pelo General
Marçal Nonato de Faria, extingue o movimento rebelde, tendo Maynard sido preso
e recolhido ao próprio 28° Batalhão de Caçadores de onde, mesmo preso,
lideraria uma nova rebelião, desta vez em 19 de janeiro de 1926, sendo então
ferido na perna e colocado fora de combate, seguindo-se por conseqüência a
rápida rendição da tropa.
Da revolta de 1924, Cabral Machado, então menino na Capela,
viu o batalhão de cangaceiros, enviado pelo propriaense Cel. Chico Porfírio,
que se associara às forças do exército vindas de Alagoas para sufocar o
movimento rebelde. Dias depois, o mesmo menino veria o mesmo batalhão retornar
cabisbaixo e acabrunhado, fugindo da refrega em Carmópolis. Por verdade ou
folclore, contava-se na Capela, que o bando se escafedera nas estradas de
Marcação, apenas com um único tirambaço certeiro de canhão, assestado pelo
Sargento José Vieira de Matos, conterrâneo da Princesa dos Tabuleiros.
Quanto à defesa da Aracaju rebelde, é histórica a foto de
Maynard nas fronteiras abertas na Praia Formosa, hoje 13 de Julho, um dos
bairros mais elegantes de Aracaju.
Se a repressão fora sangrenta restara a Maynard e aos demais
revoltosos a prisão, a princípio no próprio quartel do 28º BC e depois no Rio e
São Paulo.
“Quando meu pai estava preso no Exército, relata Lígia ao
Jornalista Osmário Santos, todos os dias, Wellington, meu irmão, e eu íamos
levar marmita para o almoço, e passávamos toda à tarde com ele.”
Lígia que não vira o pai desde 1924, só iria vê-lo no ano
seguinte, aos quatro anos de idade, justamente no momento do sepultamento de
sua mãe, enterro ao qual compareceu o pai, vigiado por forte escolta policial.
E é Lígia que repetia sem jamais esquecer as palavras de seu
pai, ditas e repetidas, no enterro: “a mãe para o túmulo, o pai para o cárcere
e quatro filhos abandonados”.
Retornando à prisão no 28º BC e desafiando o General Marçal
que aqui permanecera como comandante da guarnição federal repressora do
movimento, Maynard revolta a tropa em nova refrega em 19 de janeiro de 1926.
Era uma tentativa de juntar-se à Coluna Prestes que passava então nas proximidades
de terras sergipanas.
Mas o movimento é rapidamente sufocado, tendo Maynard sido
baleado e fugindo da prisão, indo para o Rio de Janeiro, onde foi encarcerado e
enviado para a Ilha de Trindade.
Neste tempo, Lígia órfã de mãe e com o pai preso, vai morar
juntamente com seus irmãos na fazenda Caldas, de propriedade de sua mãe
paterna, Tereza Maynard Gomes.
Dos quatro aos dez anos de idade, Lígia ficaria com seus
irmãos nas Caldas em Rosário do Catete, criadas agora pela avó paterna, que
comungando o mesmo ideal do filho, louvava Luís Carlos Prestes, o “Cavaleiro da
Esperança”, comandando a coluna de revolucionários, que percorria o sertão do
país, em incursão jamais tão longa neste continente.
Segundo palavras de Lígia, ditas a Osmário Santos e a
Adailton Andrade, que a entrevistaram, ela só iria ver o pai com dez anos de
idade, tendo Maynard neste tempo, permanecido no cárcere, ora no Rio de
Janeiro, ora recluso destinado aos presos perigosos, acampado em barracas
inóspitas na ilha de Trindade, tendo aí contraído várias enfermidades,
inclusive a beribéri, doença fruto da deficiência nutricional da vitamina B1 no
organismo, que provoca fraqueza muscular e dificuldades respiratórias, e pode
afetar também o coração, dando origem a uma cardiomiopatia, altamente funesta.
Ou seja; uma doença, plenamente evitável, fruto de
proposital mau tratamento, custodiado pelo estado, para dizimar ou arrefecer os
inimigos do regime.
Mas se o tempo e as revoltas se sucedem eis que se aproxima
1930 e a revolução se faz gloriosa com Maynard bravamente combatendo em Minas
Gerais, para onde fugira, aliando-se a Getúlio Vargas e seus tenentes
interventores, ajudando a amarrar as montarias no obelisco da Avenida Rio
Branco, a velha Avenida Central do Rio de Janeiro.
Lígia, agora com dez anos, reencontra o pai, festejado e
gloriado como herói. Será interventor
federal governando Sergipe de 1930 a 1935. Depois será Ministro do Tribunal de
Segurança Nacional, quando julgará o companheiro de outrora, Luis Carlos Prestes,
condenando-o inclusive pela, assim chamada, Intentona Comunista de 1935, e pelo
assassinato de Elza Fernandes, garota justiçada pela liderança comunista, em
mancha incompreensível numa pregação tida então libertária e sem vezos
autoritários.
Após esta presença discutível e muito criticada de julgador,
sobretudo com a condenação de Prestes, Maynard volta a Sergipe, novamente como
Interventor Federal, governando o estado, durante todo o período do Estado
Novo, de 1937 a 1945, só saindo com a queda de Getúlio Vargas e a
redemocratização de 1945.
Por esse tempo desta segunda intervenção federal, Lígia,
contando 16 anos, contraiu matrimônio com José Garcez Vieira, um viúvo de 33
anos, comerciante de automóveis, fabricante de sabão e pecuarista.
José Garcez, mais conhecido por Zezé, era o primogênito de
uma série de irmãos Garcez, filhos de Júlio Vieira de Andrade e Isabel Garcez
Vieira.
Espírito conciliador e pacífico, Zezé era muito reverenciado
pelos irmãos que o chamavam de Pajé, e a todos reunia; Sílvio, Amintas,
tabelião respeitado, Décio, banqueiro ameno e compreensivo, Armando, João, o
dedicado odontólogo das crianças, cujo consultório era pleno de brinquedos,
Paulo, Fernando, o eficiente engenheiro do DER-SE, Luís, o Desembargador, e
Isaura, mãe de Julio Prado, o meu amigo dos tempos do Rotary Club Aracaju.
Meu pai, Manoel Cabral Machado, no seu livro “Brava Gente
Sergipana e Outros Bravos”, inseriu Zezé Garcez entre os seus Bravos. Ali Zezé
aparece como um “Prefeito Correto e Criativo, dotando Aracaju de avenidas
calçadas como Ivo do Prado, Augusto Maynard, ampliação da João Ribeiro;
urbanização da ilha das cobras, das ruas Japaratuba, Maruim, Sílvio Romero,
João Andrade, Simeão Sobral, conservando estradas como a da Atalaia, e abrindo
outras como Jabotiana, Anipum, Saco, Lamarão, Jetimana, etc. Construiu escolas
como Abdias Bezerra e o Jardim de Infância do Siqueira Campos, além de
melhoramento de parques e jardins, e da orla do rio Sergipe.”.
Meu pai fora secretário particular do Prefeito Zezé Garcez e
com ele partilhou uma amizade de décadas, companheirismo iniciado quando
colegas de pensão, ele estudante do Atheneu sergipense e Zezé, então viúvo,
ambos namoravam duas colegas, alunas do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, o
colégio das freiras Sacramentinas. Meu pai namorava minha mãe, Lourdes Cabral,
e Zezé namorava Lígia Maynard, então adolescente com quinze anos.
Se meu pai era bem mais jovem e como estudante ainda não
podia se casar, Zezé, doze anos mais velho e já vitorioso na atividade
empresarial, apressa novo consórcio, tendo Lígia, filha do interventor, deixado
o colégio com os estudos e os sonhos de normalista, contraindo núpcias aos 16
anos, num tempo em que não se falava de pedofilia como hoje, ou para dizer que
as famílias eram menos preconceituosas e a atual pedofilia era tão consentida
quanto festejada.
E mais; gerou um casamento feliz e duradouro, cinquenta anos
de convivência plena, cheia de filhos, Ana Maria (esposa de Sílvio Renato
Garcez, ambos falecidos), Maria Augusta (esposa de meu amigo Luís Benjamim,
filho do Dr. Benjamin Carvalho e Dona Hortência, “mensageiros de esperanças” em
saudosas memórias), Maria Lígia (advogada, vibrante delegada da SUNAB, tentando
controlar os preços em meio à inflação desenfreada e líder defensora dos
deficientes auditivos, esposa de Matias Paulino, mãe da doce Liana e de meu
amigo Augusto, sempre alegre e de bem com a vida, casado com Titina, filha de
Célio e Clarinha, seqüência das famílias Cruz, Morais e Porto), e dos meus
colegas do Colégio Brasília, José Garcez Filho (advogado, procurador do estado,
casado com Ana Luiza Ribeiro, de tradição comercial e açucareira, pais de Euler,
meu primeiro provedor de internet, de Patrícia e de Claudia, colegas dos meus
filhos Daniela e Machado no Colégio do Salvador), Júlio Augusto e Alberto,
amizades que permanecem sessenta anos passados.
A título de exemplo e curiosidade: o meu amigo Augusto,
filho de Maria Lígia e Matias Paulino, e que herdou o nome do bisavô Augusto
Maynard, é casado com uma bisneta do Sr. Francisco de Souza Porto. Em vida,
Maynard e Chico Porto foram adversários políticos, tendo Maynard, com a
revolução de 1930 ocupando o governo, fazendo letra morta a votação “a bico de
pena”, como se chamava então, sufrágio que elegera Chico Porto Governador do
Estado. Chico Porto, embora não galgando o governo estadual, fora um homem de
muitos méritos, políticos e empresariais. Mas, isso não vale contar agora, pois
alongaria muito mais as minhas arengas e lengalengas.
No mais, poder-se-á falar que Augusto Maynard colheu algumas
derrotas com a redemocratização de 1945. Perdeu uma eleição para o senado,
depois em novas alianças logrou vitória, sofreu crítica feroz por ter condenado
Prestes no Tribunal de Segurança Nacional.
Prestes fora um ídolo que o decepcionara, e assim externou
sua decepção, comparando o Cavaleiro da Esperança com as montanhas. Em discurso
dirá então: “Os homens são como as montanhas. Vistas de longe, parecem belas,
altivas e altaneiras. De perto; que decepção!”.
De Maynard Gomes, relembro os idos de agosto de 1957, quando
Aracaju parou para receber o corpo embalsamado do General e Senador, falecido
no Rio de Janeiro. Estou a contemplar o féretro sendo velado na residência de
Zezé e Lígia, ao lado de seus filhos José Garcez Filho, Júlio e Alberto, todos
meus colegas do Colégio Brasília que também participou do cortejo estudantil.
Comentava-se que era o enterro de um herói, e isso me ficou como uma lembrança
permanente.
Mas, se me detive a falar da saga de Lígia Maynard, por
conhecê-la melhor, e, sobretudo, por amá-la como uma extensão de amizade de
minha mãe, é preciso dizer algumas palavras sobre Estelita Vilasboas, esposa do
Professor Alcebíades Vilasboas, diretor do Colégio Tobias Barreto.
No grande colégio da Rua de Pacatuba a e a juventude
uniformizada em farda verde-caqui recebia ensinamentos dos professores
Francisco e Glorita Portugal, Thiers Gonçalves de Santana e Waldemar, cujo
sobrenome perdi embora sua imagem me retorne em lembranças, como a do inspetor
Mário, musculoso, alegre, sorridente e gentil.
Dona Estelita, esposa do Diretor Alcebíades zelava pelos
alunos do velho colégio, internos e externos, como verdadeira mãe. Que o digam
os seus filhos verdadeiros; Alda, Alba, Malba e João, meu amigo João Sete
Meses, de saudosa lembrança, apaixonado pelo Iate. Estelita inserira todos os
filhos nos trabalhos do Tobias, inclusive o genro Raimundo Monte, pai de meu
aluno Roberto que deixou as ciências exatas pelas jurídicas, aliado ao gosto
pela fotografia.
Quantas histórias e testemunhos desaparecem sobre a educação
no Tobias e sobre o processo difícil de formação do Iate Clube de Aracaju, que
teve Alcebíades Vilasboas como primeiro comodoro?
Quantas festas, e que belas festas, realizadas com a
presença de Dona Estelita ajudando para que tudo corresse bem, com alegria e
divertimento?
Assim, a morte de Estelita também empobrece os sergipanos,
sobretudo porque há uma degradação nos bancos do velho colégio, que restou pior
depois de estatal, e o Iate, que embora esteja bem maior fisicamente, não exibe
um acolhimento igual.
Mas, é preciso falar de outra mulher que partiu. Falar de
Yeda Mesquita Matos Miranda, filha do comerciante Otaciano Matos, da Casa
Cristal na Rua João Pessoa.
Yeda, que herdara do pai a sua compleição mignon, era casada
com o Sr. Miranda, alto garboso e forte. O casal fora morar na minha
vizinhança, na Rua Senador Rollemberg, esquina com Vila Cristina, talvez sendo
o último a chegar naquela região.
Neste tempo suas filhas Tereza Augusta e Silvana eram bem
garotas ainda. Por serem bonitas, uma tradição das netas de Otaciano Matos,
Tereza casou logo e Silvana de perto lhe seguiu.
Da Sra. Yeda Miranda, creio que se poderia conhecer um vasto
relato da atividade comercial da Rua de João Pessoa, desde o tempo em que a
mesma era conhecida como Rua do Barão.
Aliás, fora Rua do Barão porque construída pelo Barão do
Maroim. Mas, talvez por contingência política, trocaram o nome de Rua do Barão
por Rua de Japaratuba, tendo o nome sido repelido pela população e permanecido
do Barão.
Mas, que Barão, se o Barão do Maroim virou avenida?
Assim, nos idos dos anos trinta, por beneplácito do
interventor Maynard Gomes, o pai de Lígia, por moléstia epidêmica nacional, a
Rua do Barão virou Rua João Pessoa, local de melhor ponto comercial na minha
meninice e adolescência e que muito se degradou nas últimas décadas, sobretudo
com as inovações dos calçadões, do estreitamento das ruas centrais e dos
parquímetros.
Yeda e seu irmão Dermeval testemunharam toda uma história do
comércio da Rua de João Pessoa, onde seu pai Otaciano possuía um estoque de
louças e baixelas, prestando à cidade um serviço notável neste setor.
Eu mesmo, nos idos de 1972, ali comprei um conjunto de louça
de gravura verde, outro de copos cristais Bering, e um faqueiro de aço
inoxidável que ainda conservo. Compras feitas a Dermeval Matos, o irmão de Yeda
e observada de perto pelo Senhor Otaciano, que era um baixinho simpático e
alegre.
De Yeda direi também, que cumpriu muito bem a sua função
escolhida de esposa e mãe.
Mas, por que louvar isso, nestes tempos em que as tarefas de
esposa e mãe são de pouca valia?
Eis aí uma grande degradação dos novos tempos, com o
divórcio, os casamentos sucessivos e a desorganização do lar.
Infelizmente há muitas mulheres que não sabem conservar os
seus homens e acham isso uma grande conquista feminina, preferindo viver
sozinhas ou em encontros fortuitos de excedente aridez.
Não há homens perfeitos: Eu costumo dizer que “O marido
perfeito era o espermatozóide que perdeu a corrida”. Uma frase que repito como
minha, mas que, por obviedade, talvez não seja minha nem de ninguém.
Mas, que terrível! Há mulheres em excesso que não conseguem
se prender ao lar e ao marido, e o casamento norteado de amor festivo e
sorridente, resta discussão, ofensa e separação, com apropriação indébita dos
presentes nas bodas recebidos.
Louvo, portanto, as mulheres que sabem prender os seus
maridos, e que envelhecem com eles, iguais à minha Tereza, pacificadora das
minhas angústias e imperfeições. Iguais a Yeda e as suas filhas Tereza Augusta
com Antônio Carlos Franco, de saudosa memória, e a Silvana com Jorge Alberto
Prado, gerando bisnetos e trinetos de Otaciano.
E as outras netas também, do veio de Dermeval e Aída;
Denise, Solange e Ivanise, e as suas amigas e vizinhas da Rua Itabaiana; as
filhas de Milton Franco e Noemia; Ninha, Ana, Marta, Ana Lúcia, Sônia e Olívia,
todas boas mães, boas esposas e algumas já avós. E outras tantas e tantas
outras, abençoadas mulheres, plenificando a vida de seus esposos e de sua
família.
Mas, é preciso agora falar de Maria Thetis Nunes a grande
mestra, falecida em 25 deste outubro doloroso.
Maria Thetis Nunes nasceu em Itabaiana, filha de José
Joaquim Nunes e Maria Anita Barreto há oitenta e cinco anos passados.
Estudou no Atheneu Sergipense, ligando-se aos professores
Artur Fortes e José Calazans, de onde se transferiu par Salvador–BA, onde se
graduou em História e Geografia na Faculdade de Filosofia da Bahia. Recém
graduada, em 1945, Thetis presta concurso para a cátedra do Atheneu, defendendo
a tese sobre a influência árabe na civilização ocidental, e em particular na
Europa ibérica e no Brasil.
Foi Diretora do Atheneu, estudou no ISEB – Instituto
Superior de Estudos Brasileiros. Chegou a ser adida cultural do Brasil na
Argentina, retornando a Aracaju, por conta do Regime Militar iniciado em 1964.
Sou seu aluno de Geografia em 1865 no Colégio Estadual de
Sergipe, o antigo Atheneu. Estou a relembrar uma mestra de aulas inesquecíveis.
Com a fundação da Universidade Federal de Sergipe, a
professora Thetis, já lecionando na Faculdade Católica de Filosofia, é
incorporada como professora catedrática de História.
Ali ficará até sua aposentadoria, pesquisando e publicando,
orientando teses e monografias, suscitando o estudo minucioso de gerações de
jovens, oportunidade em que freqüentou diversas bibliotecas, como a Casa do
Tombo em Lisboa, tudo investido de próprio bolso e sem maior ajuda.
Foi presidente do Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe por três décadas e membro notável do sodalício da Academia Sergipana de
Letras.
É vasta a obra historiográfica da Profa. Thetis, desde sua
tese de concurso do Atheneu em 1945, republicada em 2002, “Refazendo a História
– Os Árabes, sua contribuição à civilização ocidental”.
Colho em Luis Antônio Barreto em seu primoroso
Personalidades Sergipanas as obras de Thetis: Ensino Secundário e sociedade
brasileira, 1962; A Política educacional de Pombal e sua repercussão no Brasil,
1983; História da Educação em Sergipe, 1994; A Educação na Colônia: os
Jesuítas, 1997; Silvio Romero e Manoel Bonfim. Pioneiros de uma ideologia
nacional, 1976; Manuel Luiz Azevedo d’Araújo, educador da ilustração, 1984;
Carvalho Lima Junior, 1986; Felisbello Freire, o historiador, 1987; João
Ribeiro, o intelectual de muitos facetamentos, 1988; Tobias Barreto e a
renovação do pensamento brasileiro, 1989; A contribuição de Felisbello Freire à
historiografia brasileira, 1996; O sergipano Gilberto Amado, 1997; Alberto
Carvalho é primordialmente um artista, 1998; Sergipe no Processo de
Independência do Brasil, 1973; Ocupação Territorial da Vila de Itabaiana: a
disputa entre lavradores e criadores, 1876; O ciclo do gado em Sergipe, 1978;
História de Sergipe a partir de 1820, 1978; Qual o significado do 24 de
outubro?, 1978; Inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes no
Arquivo histórico ultramarino, 1981; As culturas de subsistências em Sergipe; a
farinha de mandioca, 1987; Fundamentos Econômicos da Literatura Sergipana,
1989; Insurreição de Santo Amaro das Brotas, 1992; O poder legislativo e a
sociedade sergipana, 1994; A contribuição da imprensa à História da província
de Sergipe, 1994; As Câmaras Municipais, sua atuação na Capitania de Sergipe
D´El Rey, 1995; Sergipe Colonial I, 1996; e tantos outros artigos e livros
De Thetis Nunes porque lecionou bastante e escreveu muito
mais, sua obra permanecerá se os homens assim o desejarem, republicando-a por
necessária. Ninguém pode almejar um futuro vibrante esquecendo em ignorância o
seu passado. É preciso que a obra de Thetis não morra nos sebos, atacada por
traças e cupins. Que a juventude possa se nutrir com a sua proficiência e a sua
inesgotável capacidade investigativa de colher relatos e documentos. Que lhe
sigam na busca frenética de provas e contraprovas para a elucidação da história
como ciência.
Em Thetis, permanece sobremodo, uma tarefa de serviço no
processo de formação das novas gerações. Que elas surjam por seqüência da
existência, mas que não se degradem nos caminhos dourados ou nacarados da
ignorância de sua história. Este era o seu desejo, e a sua luta.
Como mulher Thetis deixou muitos filhos, seus milhares de
alunos e suas sobrinhas Anita e , as filhas do irmão Fernando com Rina..
Que Deus receba no seu seio estas grandes e santas mulheres!
Texto reproduzidos do site: infonet.com.br/blogs/odilonmachado
Excelente trabalho. Um pouco da historia de sergipe, contada de forma inteligente .
ResponderExcluirCarlos Maynard.