Tradição e modernidade são tema de debate sobre festas juninas (Foto: Pritty Reis).
Amorosa defende os interesses dos artistas nordestinos.
Paulo Corrêa responsabiliza o empresariado por induzir
gostos à audiência.
Publicado originalmente no site do jornal Cinform, em 14 de julho de 2017.
Tradição e modernidade: Dois lados da moeda, numa das festas
mais populares do nordeste.
Por Nayara Arêdes
Classe artística discute a possibilidade de equilíbrio entre
elementos típicos e incorporação de novas influências no São João
O mês de junho já está indo embora, e, com ele, os festejos
de São João. Ainda assim, as discussões sobre a configuração da festa
permanecem. A cada ano, as atrações típicas nordestinas vêm perdendo espaço
para artistas de outros estados. Assim, o forró vai sendo jogado para
escanteio, enquanto ritmos como o sertanejo e o arrocha vão ganhando os palcos,
praças e multidões.
A mudança das festas juninas não acontece apenas em relação
às atrações musicais. As próprias quadrilhas vêm alterando sua forma de se
apresentar, movimentando-se em direção às disputas cada vez mais acirradas em
concursos e competições. Mas nem todos os públicos estão satisfeitos com essa
modernização dos festejos. Há quem veja a chegada e o fortalecimento de novas
influências como um passo em direção ao apagamento das tradições.
Ao mesmo tempo, muita gente acredita que os artistas e
elementos que vem ganhando terreno nas festas de alguns anos para cá são
responsáveis por atrair novos públicos, sobretudo os mais jovens. Para discutir
essas questões e indagar até que ponto vão a tradição e a modernidade, o Olho
Vivo traz a opinião de quem acompanha os festejos de perto, pelo lado de
dentro.
Polêmica.
O debate sobre o tradicional e o novo nas festas juninas
estampou manchetes nas últimas semanas, após uma contenda envolvendo as
cantoras Elba Ramalho e Marília Mendonça. Enquanto Elba reivindicou espaço para
os artistas nordestinos e suas músicas típicas, Marília argumentou que o
festejo deve estar aberto a todos os tipos de música.
Defendendo a opinião de Elba Ramalho, dezenas de artistas e
ativistas se uniram nas campanhas “Elba, estamos com você” e “Devolva meu São
João”, com o intuito de resguardar a programação das festas promovidas pelo
poder público. Em Sergipe, a cantora Amorosa é uma das maiores representantes
das campanhas.
“Não sou contra o Sertanejo, até por que gosto de algumas
canções. Sou contra o nítido desequilíbiro entre esse tipo de atração e aquelas
que representam legitimamente a cultura nordestina. E isso passa pelo
empresariado em concordância com alguns gestores. Existem atrações que só
aceitam fazer parte da grade se puder inserir outras do grupo das suas
empresas”, pontua Amorosa.
Rompimento.
O pesquisador Paulo Corrêa, que estuda a música e a cultura
nordestina, concorda com Amorosa. Ele afirma que o fato de as programações das
festas juninas estarem preenchidas de atrações do Sertanejo e do chamado “forró
elétrico” não representam uma de manda legítima do público. “Durante todo o
ano, os empresários dos artistas sertanejos pagam as rádios e veículos de
comunicação para executar suas músicas. Isso faz com que o autêntico forró perca audiência, pois induz gostos”, diz.
Para Amorosa, os representantes de outros estilos musicais
devem ter espaço no São João, mas os artistas do forró devem ser priorizados.
“Que se insiram elementos atrativos, mas dando às tradições seu destaque
merecido. Não se dá a coroa ao visitante. Foram os forrozeiros que fizeram as
festas juninas do Nordeste serem o que são. Agora, querem colocar no lugar
deles quem nunca fez nada para que a cultura nordestina chegasse a um ponto de
destaque”, diz.
Paulo Corrêa recorda o caso de Campina Grande – PB, uma das
maiores festas de São João do Brasil. “Na programação oficial, 90% das atrações
é de ritmos estranhos à cultura nordestina. Até mesmo alguns artistas que se
intitulam forrozeiros, na verdade fazem uma mistura de lambada, arrocha e
músicas românticas. Isso é um desserviço, por que as novas gerações acabam
tomando esse estilo por referência ao falar de forró”, ilustra.
Novas influências.
O cantor Edu Guerra, representante do Sertanejo em Sergipe,
contrapõe a visão de Amorosa e de Paulo. Para ele, independentemente do estilo,
a festa junina é local de celebração da música. “Acredito que a influência
sertaneja e de outros ritmos no São João não tira a essência da festa. Só quem
tem a ganhar é o público e a música popular
Para o cantor, a presença do Sertanejo nas festas juninas é
um ponto positivo pelo fato de atrair o público mais novo. “O estilo que a
gente faz é para jovens e é bem aceito tanto em nosso Estado quanto no Brasil,
já que a gente se espelha nos artistas nacionais”, diz. Nesse ponto, Amorosa
contrapõe: “não existe festa velha, o que existe é u ma geração totalmente
desconectada da cultura da qual faz parte”.
A conexão das novas gerações com a essência cultural de sua
terra é um ponto de discussão também em se tratando das quadrilhas juninas.
Para o bailarino Ewertton Nunes, que já atuou como juiz em alguns concursos de
quadrilhas, a incorporação de novos elementos deve ser vista com bons olhos. “A
cultura é dinâmica. Uma cultura que não se adapta, morre”, resume.
Herança.
O bailarino pontua que as quadrilhas sergipanas reproduzem
as características das danças em pares da corte francesa, onde a prática foi
originada. Os elementos típicos da versão nordestina, como os vestidos de
chita, o chapéu de palha, as camisas quadriculadas com remendos e a figura
do matuto já não são mais presentes nas apresentações.
Joel Reis, presidente e marcador da quadrilha Século XX,
considera que a inovação e a originalidade devem existir sempre. Ainda assim,
discorda da grande influência que os artistas e elementos de outras regiões
vem assumindo no São João nordestino. “Não concordo com misturas. Cada um deve
ficar no seu espaço. Mês de junho é tempo de forró pé de serra, o resto fica
para outros meses”, opina.
Ainda na visão de Ewertton, o mais importante no debate
entre tradição e modernidade é a responsabilidade em relação às novas gerações.
“Temo que nossas quadrilhas comecem a se apropriar de elementos que não são do
nosso povo. As quadrilhas precisam ter consciência de que é por meio de suas
práticas que as tradições vão ou não chegar às gerações mais recentes”, diz.
A indústria junina.
Há tempos que os pequenos arraiás no interior, com comidas
típicas e fogueira na porta de casa, deixaram de ser referência no assunto São João. A festa transformou-se em um
período de movimentação de grandes investimentos, configurando uma verdadeira
indústria. Somente em Campina Grande, o investimento total para a realização
do festejo de 2017 foi de R$ 13 milhões.
Em Caruaru – PE, a prefeitura prometeu reduzir o investimento
de recursos próprios neste ano. Ainda assim, a quantia empregada pela gestão
foi de ao menos R$ 3 milhões. Em Sergipe, mesmo reclamando da crise, várias
prefeituras desembolsaram altos valores para bancar cachês de atrações
nacionais. Enquanto isso, as atrações regionais amargam em posição secundária,
mesmo sendo economicamente muito mais viáveis.
Texto e imagens reproduzidos do site: cinform.com.br
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