quarta-feira, 19 de julho de 2017

Tradição e modernidade: Dois lados da moeda...

 Tradição e modernidade são tema de debate sobre festas juninas (Foto: Pritty Reis).

 Amorosa defende os interesses dos artistas nordestinos.

Paulo Corrêa responsabiliza o empresariado por induzir gostos à audiência.

Publicado originalmente no site do jornal Cinform, em 14 de julho de 2017. 

Tradição e modernidade: Dois lados da moeda, numa das festas mais populares do nordeste.

Por Nayara Arêdes
    
Classe artística discute a possibilidade de equilíbrio entre elementos típicos e incorporação de novas influências no São João

O mês de junho já está indo embora, e, com ele, os festejos de São João. Ainda assim, as discussões sobre a configuração da festa permanecem. A cada ano, as atrações típicas nordestinas vêm perdendo espaço para artistas de outros estados. Assim, o forró vai sendo jogado para escanteio, enquanto ritmos como o sertanejo e o arrocha vão ganhando os palcos, praças e multidões.

A mudança das festas juninas não acontece apenas em relação às atrações musicais. As próprias quadrilhas vêm alterando sua forma de se apresentar, movimentando-se em direção às disputas cada vez mais acirradas em concursos e competições. Mas nem todos os públicos estão satisfeitos com essa modernização dos festejos. Há quem veja a chegada e o fortalecimento de novas influências como um passo em direção ao apagamento das tradições.

Ao mesmo tempo, muita gente acredita que os artistas e elementos que vem ganhando terreno nas festas de alguns anos para cá são responsáveis por atrair novos públicos, sobretudo os mais jovens. Para discutir essas questões e indagar até que ponto vão a tradição e a modernidade, o Olho Vivo traz a opinião de quem acompanha os festejos de perto, pelo lado de dentro.

Polêmica. 

O debate sobre o tradicional e o novo nas festas juninas estampou manchetes nas últimas semanas, após uma contenda envolvendo as cantoras Elba Ramalho e Marília Mendonça. Enquanto Elba reivindicou espaço para os artistas nordestinos e suas músicas típicas, Marília argumentou que o festejo deve estar aberto a todos os tipos de música.

Defendendo a opinião de Elba Ramalho, dezenas de artistas e ativistas se uniram nas campanhas “Elba, estamos com você” e “Devolva meu São João”, com o intuito de resguardar a programação das festas promovidas pelo poder público. Em Sergipe, a cantora Amorosa é uma das maiores representantes das campanhas.

“Não sou contra o Sertanejo, até por que gosto de algumas canções. Sou contra o nítido desequilíbiro entre esse tipo de atração e aquelas que representam legitimamente a cultura nordestina. E isso passa pelo empresariado em concordância com alguns gestores. Existem atrações que só aceitam fazer parte da grade se puder inserir outras do grupo das suas empresas”, pontua Amorosa.

Rompimento. 

O pesquisador Paulo Corrêa, que estuda a música e a cultura nordestina, concorda com Amorosa. Ele afirma que o fato de as programações das festas juninas estarem preenchidas de atrações do Sertanejo e do chamado “forró elétrico” não representam uma de manda legítima do público. “Durante todo o ano, os empresários dos artistas sertanejos pagam as rádios e veículos de comunicação para executar suas músicas. Isso faz com que o autêntico forró perca audiência, pois induz gostos”, diz.

Para Amorosa, os representantes de outros estilos musicais devem ter espaço no São João, mas os artistas do forró devem ser priorizados. “Que se insiram elementos atrativos, mas dando às tradições seu destaque merecido. Não se dá a coroa ao visitante. Foram os forrozeiros que fizeram as festas juninas do Nordeste serem o que são. Agora, querem colocar no lugar deles quem nunca fez nada para que a cultura nordestina chegasse a um ponto de destaque”, diz.

Paulo Corrêa recorda o caso de Campina Grande – PB, uma das maiores festas de São João do Brasil. “Na programação oficial, 90% das atrações é de ritmos estranhos à cultura nordestina. Até mesmo alguns artistas que se intitulam forrozeiros, na verdade fazem uma mistura de lambada, arrocha e músicas românticas. Isso é um desserviço, por que as novas gerações acabam tomando esse estilo por referência ao falar de forró”, ilustra.

Novas influências.

O cantor Edu Guerra, representante do Sertanejo em Sergipe, contrapõe a visão de Amorosa e de Paulo. Para ele, independentemente do estilo, a festa junina é local de celebração da música. “Acredito que a influência sertaneja e de outros ritmos no São João não tira a essência da festa. Só quem tem a ganhar é o público e a música popular

Para o cantor, a presença do Sertanejo nas festas juninas é um ponto positivo pelo fato de atrair o público mais novo. “O estilo que a gente faz é para jovens e é bem aceito tanto em nosso Estado quanto no Brasil, já que a gente se espelha nos artistas nacionais”, diz. Nesse ponto, Amorosa contrapõe: “não existe festa velha, o que existe é u ma geração totalmente desconectada da cultura da qual faz parte”.

A conexão das novas gerações com a essência cultural de sua terra é um ponto de discussão também em se tratando das quadrilhas juninas. Para o bailarino Ewertton Nunes, que já atuou como juiz em alguns concursos de quadrilhas, a incorporação de novos elementos deve ser vista com bons olhos. “A cultura é dinâmica. Uma cultura que não se adapta, morre”, resume.

Herança. 

O bailarino pontua que as quadrilhas sergipanas reproduzem as características das danças em pares da corte francesa, onde a prática foi originada. Os elementos típicos da versão nordestina, como os vestidos de chita, o chapéu de palha, as camisas quadriculadas com remendos e a figura do matuto já não são mais presentes nas apresentações.

Joel Reis, presidente e marcador da quadrilha Século XX, considera que a inovação e a originalidade devem existir sempre. Ainda assim, discorda da grande influência que os artistas e elementos de outras regiões vem assumindo no São João nordestino. “Não concordo com misturas. Cada um deve ficar no seu espaço. Mês de junho é tempo de forró pé de serra, o resto fica para outros meses”, opina.

Ainda na visão de Ewertton, o mais importante no debate entre tradição e modernidade é a responsabilidade em relação às novas gerações. “Temo que nossas quadrilhas comecem a se apropriar de elementos que não são do nosso povo. As quadrilhas precisam ter consciência de que é por meio de suas práticas que as tradições vão ou não chegar às gerações mais recentes”, diz.

A indústria junina.

Há tempos que os pequenos arraiás no interior, com comidas típicas e fogueira na porta de casa, deixaram de ser referência no assunto São João. A festa transformou-se em um período de movimentação de grandes investimentos, configurando uma verdadeira indústria. Somente em Campina Grande, o investimento total para a realização do festejo de 2017 foi de R$ 13 milhões.

Em Caruaru – PE, a prefeitura prometeu reduzir o investimento de recursos próprios neste ano. Ainda assim, a quantia empregada pela gestão foi de ao menos R$ 3 milhões. Em Sergipe, mesmo reclamando da crise, várias prefeituras desembolsaram altos valores para bancar cachês de atrações nacionais. Enquanto isso, as atrações regionais amargam em posição secundária, mesmo sendo economicamente muito mais viáveis.

Texto e imagens reproduzidos do site: cinform.com.br

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